domingo, 21 de janeiro de 2007

CORAÇÃO MAGOADO

Elson Martins

Em 1929, o então senador marechal J. Pires Ferreira apresentou um projeto de lei que dava honras de general ao conquistador do Acre, José Plácido de Castro. A honraria, entretanto, não comoveu o coração de dona Zeferina de Oliveira Castro, mãe do herói assassinado de emboscada em 1908, no seringal Capatará, nas proximidades de Rio Branco.

O crime, supostamente planejado por adversários políticos de Plácido que haviam se aboletado no poder do Acre, nunca foi apurado, e os assassinos comemoraram o feito com a impunidade histórica que perdurou até o fim de suas vidas.

Aos 92 anos, com uma perna fraturada que a impedia de sair de casa, dona Zeferina encaminhou a seguinte carta ao senador e marechal:
"Chegando ao meu conhecimento que transita pelo Senado Federal um projeto de lei de autoria de Vossa Excelência dando honras de General ao meu pranteado filho, J. Plácido de Castro, e de Coronel a dois dos principais cúmplices no seu assassinato - Gentil Tristão Norberto e Antônio Antunes de Alencar -, venho pedir-lhe o grande favor de retirar o nome do meu filho do mesmo projeto.

Em vida, ele nada pediu à sua pátria e nada recebeu além da perseguição, da injúria, da calúnia e da morte por mão das principais autoridades federais; é justo que depois de morto, quando de nada precisa, também nada receba. Os governos já tripudiaram muito sobre o seu nome e sobre a sua memória...

Que ele repouse na paz da conspiração de silêncio em que envolveram o seu nome, desde o momento em que não necessitaram mais dos seus serviços, - desde a assinatura do Tratado de Petrópolis.

O bárbaro crime que vitimou meu filho prescreveu sem que o mais ligeiro inquérito fosse aberto a respeito; sem que ao menos os nomes dos miseráveis assassinos fossem apontados pela Justiça à execração pública!

É preciso que a Pátria seja coerente: com honrarias póstumas ela não ressuscita a vítima nem lava as máculas do passado. Continue ela a proteger, amparar e distinguir os assassinos, procurando apagar os vestígios da covarde tragédia de 9 de agosto de 1908 e a transformar os criminosos em heróis. Isso é justo: mas que aos 92 anos eu veja o nome do meu filho servir de escada para a ascensão dos seus matadores, isso é demais...

A posteridade julgará meu filho, e é bastante.

Creio que V. Exa. ignore que Gentil Norberto e Antunes de Alencar sejam dois dos implicados no assassinato de Plácido, mas o meu fim é apenas arredar o nome de meu filho de tão más companhias e grata ficarei a V. Exa. se me atender.

Convém dizer que não estou caducando: ainda sou mais sadia de espírito do que de corpo e só não vou pessoalmente falar-lhe porque há oito meses guardo leito com uma perna fraturada".

Um comentário:

Anônimo disse...

Lúcida e digna, Dona Zeferina.E é esse silencio que ela denuncia a respeito do assassinato de Plácido de Castro que nos leva a olhar, com certa desconfiança, para a casta dirigente deste lugar. Outros crimes também já aconteceram desde então que permanecem sob a mesma nebulosa.