segunda-feira, 23 de abril de 2007

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Prospecção de petróleo gera polêmica no Acre; sob forte pressão, pregão da ANP é suspenso (clique na imagem abaixo para ver dados vitais do Estado)


Caio Junqueira
De Rio Branco (AC)

Marcada por embates entre seringueiros e madeireiros, a história acreana está prestes a entrar em uma nova fase polêmica de seu desenvolvimento, com a proposta do senador Tião Viana (PT-AC) de prospectar petróleo e gás natural no Vale do Juruá, a área mais ocidental do Brasil. Integrada a bacias sedimentares, o subsolo do Juruá é tido pela Agência Nacional do Petróleo e pela Petrobras como ponto certeiro da existência de combustíveis fósseis. Do outro lado da fronteira, nos Estados peruano de Madre de Dios e boliviano de Pando, a exploração já está sendo feita. A celeuma, porém, ocorre pela localização da área. Coberta por uma das maiores biodiversidades do planeta, na região se estendem longas florestas contínuas, com índios isolados e grande população ribeirinha.


Desde a sua apresentação, a proposta produz debates acalorados que se amplificam por toda a região Norte do país. De um lado, os que defendem a exploração e julgam possível que dela não decorra danos ambientais e culturais. Do outro, os contrários à idéia, por julgarem impossível que essas áreas e povos não sejam afetados.

No governo acreano, a questão não é tratada abertamente, o que levanta suspeitas sobre eventuais conseqüências políticas para a Frente Popular que comanda o Estado desde 1999. O governador do Acre, Binho Marques (PT), evita o assunto. No último dia 12, não compareceu a um debate marcado com grande antecedência sobre o tema promovido pelo senador Tião Viana no Teatro Plácido de Castro, em Rio Branco. Não dá entrevistas sobre o tema e o máximo que disse até o momento é que "apóia o debate". A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, faz a linha do silêncio.

O Valor por mais de uma semana procurou a ministra e o governador por mais de uma semana. A assessoria de Marina alegou problemas na agenda, mesma excusa apresentada por Binho Marques. No governo estadual, as críticas mais severas vêm da pessoa mais próxima do governador, o assessor especial Toinho Alves. Principal formulador do conceito de "florestania", captado e propagandeado pela Frente desde a ascensão ao poder, ele se coloca radicalmente contra: "Vai contra tudo o que a gente sempre defendeu".

O maior expoente do grupo, o ex-governador Jorge Viana (PT), rejeita a idéia de estremecimento e critica a polêmica aberta. "É absolutamente inoportuno esse debate. Ninguém discute fazer ou não prospecção. Se for detectado petróleo e gás, aí sim tem que abrir a discussão de como explorar e quais cuidados adotar. Porque não conheço nenhum lugar do mundo que tenha petróleo em baixo e vai ver se tira ou não. Quem acha, explora."

No debate realizado sem a presença do governador, o teatro lotado assistiu a palestras de integrantes de uma mesa favorável à idéia da prospecção: dois integrantes da ANP, representantes da classe produtiva e políticos ligados a Jorge Viana. A voz que se esperava dissonante viria do representante dos ambientalistas, Miguel Scarcello, da SOS Amazônia. Mas ele apresentou um abaixo-assinado por algumas entidades - a maior delas ligada ao governo - apoiando a idéia, desde que sejam estabelecidas "salvaguardas sócio-ambientais em todas as etapas do processo". O debate chegou a ser interrompido por um apagão de meia hora, decorrente do bloqueio do linhão de energia que liga Porto Velho (RO) a Rio Branco, o que evidenciou um dos problemas do Estado que embasam a idéia de Tião Viana: a dependência da energia do vizinho Estado de Rondônia. Sempre com seu contraponto ambiental.

"Diariamente, consumimos 1 milhão de litros de diesel de Porto Velho para atender as nossas térmicas. Perdemos cerca de R$ 100 milhões em ICMS com isso. E o gás natural polui 40% menos que o diesel. Seria uma redução da emissão de 400 milhões de toneladas de gás carbônico por ano. Sem falar a economia para a rede estatal elétrica, que, convertida em reflorestamento, asseguraria uma malha de 225 mil hectares de floresta degradada", diz o senador. O fator econômico é outro forte argumento de defesa. O caso da vizinha Urucu (AM) é mencionado constantemente. Segundo o senador, a exploração por lá rende mais de R$ 1 bilhão, entre royalties e ICMS, sem grandes danos ambientais. Tião Viana conseguiu neste ano que a ANP autorizasse os estudos. O pregão chegou a ser publicado no "Diário Oficial", mas, sem maiores explicações, foi suspenso.

A especulação sobre possível existência de gás e petróleo no Vale do Juruá não é nova. Nos anos 30, o pesquisador letão Victor Oppenheim explorou e mapeou a formação geológica de vários países da América do Sul e aventou a possibilidade da existência de combustíveis fósseis no então Território Federal do Acre. No seu encalço, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) enviou pesquisadores, que confirmaram a hipótese. A inviabilidade da exploração na época fez com que o governo adiasse a prospecção para os anos 60 e 70, quando a Petrobras perfurou alguns poços, sem sucesso, mas com marcas: foram perfurados 11 poços, número considerado insuficiente para certificar a existência de combustíveis fósseis no subsolo.

Área com probabilidade de existência de petróleo é coberta por umas das maiores biodiversidades do planeta

O que há de inovador na questão toda é a idéia ser encampada por integrantes de um grupo político que cresceu enraizado no ambientalismo. Para pessoas ligadas a esse grupo, a questão do petróleo é apenas mais um fator de crítica. O alvo principal nos últimos anos tem sido a opção pela comercialização da madeira, legalmente, via manejo, intensificado na gestão petista. Pelo projeto, as terras são divididas em 30 lotes e, a cada ano, um deles é explorado, só podendo ser objeto de lucro novamente dentro de 30 anos. Os críticos dizem que o enfoque do manejo não deveria ser a madeira, mas os produtos tradicionais, como castanha, açaí e borracha. "O que ocorre é que você tem algumas commodities e algumas commodities madeireiras, que são mais valiosas. Nós não podemos deixar de fazer não-madeireiras, mas elas não servem para base de mercado. E a madeira é uma base de mercado", afirma Carlos Ovídio, secretário acreano da Floresta.

Os críticos dizem ainda que o manejo madeireiro é um risco, pois não há experiências concretas que comprovem seu sucesso. "Não tem quem tenha visto o efeito do manejo. O Acre acabou virando um modelo de experimento. Sem falar que não há controle de idade das árvores, não há fiscalização", afirma o professor da Universidade Federal do Acre Elder Andrade de Paula. Autor da tese de doutorado "Desenvolvimento insustentável na Amazônia Ocidental - dos missionários do progresso aos mercadores da natureza", ele defende que o modelo adotado não se sustenta ambientalmente, uma vez que baseado estritamente em aspectos mercadológicos e sem melhorias sócio-ambientais.

Esse tipo de crítica procede para Toinho Alves, assessor de Binho e um dos formuladores do conceito de "florestania", descrito como um sentimento de pertencimento e respeito do cidadão à floresta. De cunho filosófico, a idéia fundamentou as metas de desenvolvimento sustentável do governo de Jorge Viana, baseada em três pilares de sustentabilidade : econômico, social e ambiental. "O que avançou aqui foi a sustentabilidade econômica. A social é pequena. E todos os aspectos que visavam incorporar o cuidado com o meio ambiente ficaram em segundo plano", diz Toinho Alves.

Analisados os números, constata-se que a economia acreana passou por uma revolução na era Viana. Politicamente habilidoso, o ex-governador conseguiu junto às instituições de fomento, em especial o BID e o BNDES, recursos que transformaram a infra-estrutura do Estado nos últimos oito anos. Junto com um retorno da ordem político-institucional em muito conquistada com a prisão do Esquadrão da Morte que aterrorizou a política e a população local nos anos 90, as restaurações de prédios, revitalizações de áreas urbanas, construção de pontes e pólos industriais, e abertura de avenidas e estradas ajudaram a resgatar a já elevada auto-estima acreana. O PIB mais que dobrou e o Estado passou a depender menos de transferências da União. Em 1999, tinha 16% de receita própria. No ano passado, a fatia era de 27%.

Por sua vez, o desmatamento no Estado, embora dentro dos padrões amazônicos, segue uma crescente em um dos Estados com menos áreas desmatadas: cerca de 10% . Jorge Viana afirma que isso em nada se relaciona com o manejo. "O manejo não pode pagar essa conta. O que ocorreu foi um grande financiamento para pequenos agricultores, que investiram em seus roçados. A maioria do desmatamento no Acre ocorre em pequenas propriedades. Não tem mais ninguém no Acre desmatando grandes áreas". O secretário da Floresta, Carlos Ovídio, defende que a maior parte do desmatamento no Estado é realizado dentro do limite máximo de 20% permitido pela legislação. "A tendência é que o Acre se estabilize com 84% de sua floresta em pé. Ainda tem 6% de desmatamento que vai acontecer em 12 anos. Não adianta tapar o sol com a peneira", afirma.

Sobre os índices sociais, que não mostraram grandes avanços (veja quadro acima), Viana afirma que esses resultados tardam mais a aparecer e coloca sob suspeição os dados. "O IDH não expressa a realidade social da Amazônia. É completamente furado. Você chegar na periferia de São Paulo e perguntar por uma creche e um pré-natal está certíssimo, agora não dá para chegar em uma aldeia, fazer a mesma pergunta e depois incluir isso dentro de um relatório e te botar lá para baixo nos indicadores sociais? O que estamos buscando é uma espécie de IDH verde que considere aspectos culturais, para não misturar com avaliação feita a partir de uma visão do Centro-Sul do país". Todavia, a população indígena do Estado em 2005 era de 14.451, aproximadamente 2% da total. Um terço dos habitantes do Acre vive em zonas rurais.

Ciente da situação social, a gestão Binho Marques já escolheu o foco. "Jorge foi o governador das grandes obras, Binho será das pequenas obras. Será responsável por esses ajustes", diz um interlocutor do governador.

Sindicalismo tenta retomar mobilização
De Xapuri (AC)

O movimento sindical acreano, que fez história nos anos 70 e 80 e elevou a mártires seus principais líderes assassinados, como Wilson Pinheiro e Chico Mendes, trava agora uma batalha contra o silêncio. Resultado da chegada ao poder estadual em 1998, a voz que antes gritava nos famosos “empates” contra os fazendeiros calou-se e desapareceu com a vitória nas urnas do petista Jorge Viana, ponto final de uma série de conquistas eleitorais pelo Estado.

“O governo estadual colocou muito dinheiro nas organizações do movimento social, nos sindicatos. Deu cargo comissionado para todo mundo. Aí o pessoal se acomodou. Achou que a luta tinha terminado. Perderam a crítica. E quem é que vai criticar sendo empregado e financiado pelo governo? Começamos a ganhar eleições e o movimento acabou. Virou eleitoreiro. Os partidos se sindicalizaram e os sindicatos se partidarizaram”, afirma uma das lideranças daquele tempo, Osmarino Amâncio, braço direito de Chico Mendes e apontado na época como herdeiro político do sindicalista, morto em Xapuri em dezembro de 1988. O governo do Estado não respondeu quantos cargos comissionados foram criados no período, mas segundo o Ipea, os gastos com pessoal passaram de R$ 377 milhões em 2000 para R$ 837 milhões em 2005.

Osmarino conta que o ponto de partida para “refundação” do sindicalismo acreano foi uma visita de equipes do governo estadual ao seringal em que vive, em Brasiléia, para discutir o manejo madeireiro, o que gerou revolta. “O manejo é a última experiência que deveria ser feita aqui. Vamos manejar a castanha, o açaí, o pequi, as plantas medicinais. Deixa o madeireiro por último. Estão fazendo o pessoal perder uma cultura nativa e introduzindo uma cultura que não é daqui.”

A partir daí, passou a tentar reerguer o movimento sindical. Buscou antigos líderes, visitou seringais e começou a traçar a estratégia de retorno, que, ao contrário da fase áurea do movimento, não mais visa ao poder político. A meta é ganhar eleições nas entidades de base.

A vitória mais significativa já veio em junho do ano passado, quando Dercy Telles, segunda presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, voltou ao cargo quase 30 anos depois. A vitória não foi tão tranqüila: venceu por 130 a 90. “Depois que conquistamos o poder político, o movimento acabou. Ficou todo mundo só aplaudindo. E é mesmo difícil se contrapor a quem te financia”, diz ela, que afirma ter rompido convênios para formação, firmados com o Incra e com o governo do Estado, no valor de R$ 175 mil.

Fundador do PT e atualmente ligado ao P-SOL, Osmarino diz que outro município em que a oposição venceu foi em Porto Acre e que agora trabalha para eleger seu grupo em Brasiléia. “É um trabalho lento, de formação das bases. Mas se conseguirmos brecar o manejo em Xapuri, brecamos em todo o Estado.”

A intenção desse grupo é tido pelos “de dentro” como equivocada. Para antigos companheiros de luta e hoje ligados ao governo, a chegada ao poder de fato enfraqueceu o movimento, mas não houve aparelhamento. “Não houve cooptação. Algumas lideranças foram aproveitadas para trabalhar com o governo e outras que não foram, por opção delas. Incomodam-se hoje porque muitas atribuições que antes eram feitas pelos sindicatos passaram a ser feitas pelo governo, como a formação educacional”, diz Júlio Barbosa (PT), ex-presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros e vice de Chico Mendes em 1988.

Prefeito de Xapuri de 1996 a 2004, Barbosa trabalhou para a gestão Jorge Viana por dois anos. “Sou produtor de madeira. Essa turma que fala que é contra é minoria e vem na contramão da carruagem. Vivemos hoje um outro momento. Temos que ter senso crítico, mas reconhecendo os avanços que tivemos. Antes a luta era pela terra, agora é criar alternativas de produção pela nossa extensa floresta.” (CJ)

Caio Junqueira é repórter do jornal Valor Econômico

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