segunda-feira, 17 de março de 2008

MOGNO ILEGAL DERRUBA VIDAS NO PERU

Angélica Almeyda


O departamento de Madre de Dios na Amazônia Peruana é bem conhecido por ser um dos lugares com maior biodiversidade do Planeta. Entre os madeireiros, Madre de Dios é conhecida como a última fronteira onde ainda existe mogno em escala comercial. De fato, uma grande área das florestas de Madre de Dios tem sido designada para concessões madeireiras (13%). Apesar dessa significante dimensão de terras voltadas para exploração florestal existem fortes indícios de que pelo menos parte do mogno extraído de Madre de Dios é de origem ilegal. Este processo tende a se intensificar em um contexto de abertura da fronteira entre Brasil e Peru, com a estrada ligando o Brasil ao Pacifico através do Estado do Acre jogando um papel importante nesse contexto.

O mogno ilegal na Amazônia Peruana é extraído fora das áreas concedidas às madeireiras, principalmente em áreas privadas destinadas para agricultura, em concessões de castanha, e em territórios de populações indígenas não contactadas. A legislação ambiental peruana permite a obtenção de uma licença para a exploração florestal em terras agrícolas privadas, mas muito poucos se preocuparm com isso. Na realidade, em vários casos as árvores são extraídas sem o conhecimento do proprietário da terra. A extração madeireira em áreas de concessões para coleta de castanha é proibida, porém alguns coletores de castanha vêm notando a entrada de madeireiros ilegais em suas áreas.

A pavimentação da Estrada do Pacífico está concluída no lado brasileiro e em curso no lado peruano. Até Dezembro de 2007, as obras tinham sido concluídas na região entre Iñapari (na fronteira com o Brasil) e Alerta (a 100km da fronteira). Para a extração seletiva de mogno a pavimentação significa menor custo de transporte e um melhor acesso às florestas. Isto pode acarretar a ampliação da exploração ilegal, e potencialmente pode desencadear maiores conflitos sobre o uso dos recursos naturais. Recentemente, na cidade de Alerta a indústria da exploração ilegal do mogno ceifou a vida de uma autoridade local.

Don Julio García Agapito, representante governamental de Alerta, na Província de Tahuamanu, Madre de Dios, foi assassinado no dia 26 de fevereiro de 2008. Don Julio foi assassinado por ter apreendido um caminhão carregado com mogno ilegal na sua pacata comunidade. De acordo com a Agencia Peruana de Noticias (Andina), Don Julio Garcia havia alertado a Polícia Nacional e também o Instituto Nacional de Recursos Naturais (INRENA) sobre o caminhão (de placa WZ-7256, conduzido por Angel Vivanco), que transportava 700 m2 de mogno ilegal. Após a intervenção e enquanto a carga estava sendo descarregada, alguém com uma cópia da chave do caminhão tentou fugir com o veículo. Membros da Polícia Nacional iniciaram a perseguição ao caminhão enquanto Don Julio Garcia ficou no escritório da INRENA. Sem proteção, em alguns minutos mais tarde ele foi executado com dez disparos de revólver por Amancion Jacinto Maque, outro membro do grupo de madeireiros envolvido com o caso, que de imediato fugiu para a Bolívia.

Eu tive a oportunidade de visitar Don Julio em muitas ocasiões ao longo do último ano e meio, enquanto fazia pesquisa na região. Don Julio e sua família sempre foram generosos com o seu tempo e acolhedores de visitas a sua casa. Don Julio era um tipo diferente de líder, sempre ativo, ajudando e recebendo grupos de pessoas e coordenando atividades diárias. Ele dedicou sua vida à conservação das florestas e melhoria das condições de vida para a comunidade que ele representava. Sempre esteve envolvido com a resolução de conflitos relacionados com a pavimentação da estrada, eletrificação, exploração de petróleo e a concessão de castanhais. Ele mesmo foi um coletor de castanha, e como tal se tornou um defensor das florestas do Tahuamanu e um líder local.

O assassinato de Don Julio Garcia deixa-me com grande tristeza e indignação. É um indicador da magnitude dos problemas que Madre Dios começa a enfrentar no contexto do grande investimento em infrastructura em curso na região. A exploração irracional e ilegal do mogno tomou a vida de uma autoridade local, que buscava fazer cumprir a lei, de um agricultor e um castanheiro que estava protegendo as florestas das quais ele e sua localidade depende para sobreviver. Sua morte demonstra que, apesar do sistema de concessões madeireiras e dos milhões de investimentos em pavimentação, Madre de Dios necessita investir muito mais para ser capaz de fazer cumprir a lei e para a busca de alternativas para o desenvolvimento com base sustentáveis para a população local e para a proteção da mega biodiversidade da região.

Este assassinato também nos faz pensar sobre futuros cenários de governança na região, especialmente quando sabemos dos interesses econômicos envolvidos e da frágil presença do Estado nestas regiões de fronteiras sempre resulta em conflitos no campo e assassinatos de lideranças locais. A expansão da fronteira da Amazônia brasileira nos conta esta história, quando a partir da década de 1970s o processo de ampliação da agropecuária e de projetos de infra-estrutura (e.g. rodovias) resultou em desmatamento massivo e na violação dos diretos das populações tradicionais da região. Especificamente, a intensa exploração ilegal de mogno, que já havia conduzido a espécie ao status de ameaçada de extinção, teve sua exploração proibida no Brasil, na década passada.

O próprio Estado do Acre que agora está se tornando o ponto de ligação do Brasil com o Oceano Pacífico através do Peru, sofreu os impactos de projetos econômicos que desprezam a conservação ambiental e negam o papel das populações locais na sua conservação. Uma das conseqüências desse processo foi a luta de Chico Mendes, que veio a ser assassinado vinte anos atrás, o qual agora é reconhecido em todo o mundo pelo seu trabalho pioneiro em prol da conservação ambiental e dos direitos das populações locais. Apesar dos avanços no lado brasileiro, esta mesma história começa a se repetir em terras peruanas. Nós nos sentimos apreensivos quando o mesmo tipo de forças econômicas começa a escrever uma história parecida, desta vez do outro lado da fronteira, ameaçando um espaço geográfico e suas riquezas e derrubando vidas daqueles que, como Don Julio Garcia, tem a coragem de enfrentar.


Angélica Almeyda é estudante de doutorado em antropologia na Stanford University.

Nenhum comentário: