sexta-feira, 18 de junho de 2010

O FENÔMENO DO FUTEBOL

José Augusto Fontes

Quem sabe explicar a fascinação pelo futebol, quem sabe dimensionar a magia das Copas do Mundo, quem sabe compreender a inigualável conspiração, sempre renovada? Você expressou opinião, escalou sua seleção, venceu a discussão? Gritou, calou, sentiu a sensação, dançou? Você é o dono da bola, é mais um que tem razão? Você e eu estamos na reserva do time da multidão, mas não importa, nem exporta, agora não é hora disso, todos somos da melhor agremiação. Será ilusão?


Não perca a concentração. O time de todos nós está no centro. Bateu asas do círculo central, viajamos juntos, saímos do campo visível, dominamos a lua no peito, trocamos passes com o inexplicável, a felicidade total é agora, ou era, enquanto a bola corre, corria de todo jeito. Enquanto esperanças voavam, enquanto o pensamento transbordava o limite da visão, batendo às portas do mundo, chutamos os lances dessa magia incomparável, indescritível, vista em retratos que ninguém para de revelar, que não conseguimos deixar de ver, de lembrar, de emoldurar. Nosso jogo parece não parar de marcar, como o fenômeno do futebol, com gols por baixo do lençol. Na cama ou no gramado, queremos dar nosso recado.

Você também está tabelando com os sonhos e driblando a emoção? Sabe explicar em detalhes cada jogada, cada gol (perdido e feito), cada possibilidade? Você também gritou esse grito colorido que voou continentes e mares, e aterrissou numa terra azulada e verde, com homens uniformizados de amarelo esverdeado? Somos da mesma nação, somos impertinentes, mas de tão valentes, vamos agorinha dar firulas em mais esta competição. Mas, e o Brasil, vai só trocar figuras ou vai garantir o feriadão? Somos torcedores que conseguem dar vida à melhor fantasia, mesmo tendo uma realidade exclusiva, já vivida, vencida, nunca esquecida. É que sempre precisamos renovar, reconquistar. Ser penta arrebenta, ser hexa não basta! Em instantes de Copa do Mundo, tudo o que foi ganho é lembrado, repetido, junto com um escondido jeito de achar pouco. Junto com um festejado anseio de querer de novo, e mais, na certeza geral do merecimento absoluto.

Nessa quase certeza, até o torcedor que escreve também delira, quando descreve a encenação e confere a escalação. Dentro desse merecimento, também abraça o momento, desfila os olhos, comemora as cores, toma a multidão, com todos os amores, profetiza que será outra vez campeão. Vai vencer o tempo, vai eternizar a alegria. O texto transpira uma nova jogada, enquanto o jogo da vida recria a mesma partida. Parece certo na bola de cristal que virá um passe de efeito, e vamos todos ganhar de qualquer jeito, com gols a torto e a direito, o nosso bem vai ganhar do mal alheio.

Essa goleada era o que você precisava para ficar realizado, extasiado, esquecido de outras coisas, nem sempre alegres? Dentre muitos países do futebol, no meio de um grupo maior que o das Nações Unidas, você é da turma campeã, acima de todas? Você é do país do Rei, daquele e deste, você é quase do time? Todos queremos ser! Temos bola de meia, bola de pano e bola de papel. Todas elas correm pelo nosso céu, todas elas driblam o sonho que vai tirar o véu das redes e penetrar a trave, sem perder a breve ternura, para selar o acaso do compromisso, e quase por isso, fazer desse jogo uma aventura sublime, pois precisamos de algo que nos ilumine. Todos precisamos da bola de gude que nos ilude.

Que venham jogos e dias, que aconteçam e passem, num passe de gritos, num suspiro, isso tudo passando do silêncio, do roteiro. Que fiquem registros, prazer e dor, que fiquem os abraços, há títulos para buscar, há outros gritos para gritar. Ou não é bem assim? Queremos este título! Temos outros, mas não este. E precisamos da folia. Somos referência, história e realidade, no meio desses campos todos, no meio da ilusão em impedimento, que de tamanha, é quase única. Que fique a fantasia!

Ilusão esquecida no coração, driblada dia-a-dia, quando empurramos pra dentro o grito de gol, quando nos damos a mão e botamos pra correr alguma derrota. Ou quando invadimos a grande área e caímos na marca do pênalti, sem apito, já quase lá, e no fim, só temos o mesmo sonho para abraçar. Então, botamos pra fora o que há para desabafar, pois esta é a hora possível, já que antes, nosso pequeno ser era totalmente invisível, e depois, não sabemos o que vai acontecer. Não sabemos, mas torcemos. Aliás, é claro que sabemos. Mas é agora que somos gigantes. Nosso grito de gol nos eleva e carrega qualquer dor para bem adiante.

Você também quer ganhar? Ganhar é querer coletivo! Vem da raça, do talento inventado, da garra bem ensaiada, sentada na arquibancada da vida ou passeando pelas laterais esquecidas, mas na mesma torcida. Vem da malícia manhosa e da ginga espalhafatosa, dos espaços e conceitos gerais e de alguma dor espremida. Essa torcida nasce da vontade de vencer, para deixar pra lá tudo que há para perder. O mesmo querer leva galeras, amassos e quimeras, numa necessidade antes tímida, de se meter a ganhar, na vida como no jogo, com algum lance enfeitado, meio dissimulado, quase inesperado, quase sem defeitos, qualquer adversário superado, todo querer renovado.

Embates e disfarces, a torcida quer gritar! O ingresso é caro e o lance que parecia claro está indefinido. Dentro de nós há um time que espera vencer, que espera para vencer, enquanto finge não perder o sentido. A vitória vem de dentro, lá da fantasia. E assim, ganhar ou perder, enquanto tudo passa, é apenas festejar o fenômeno. É apenas torcer, ou se deixar levar, enquanto o grande jogo nos deixar viver alguma alegria.

José Augusto Fontes é poeta, cronista e juiz de direito acreano

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